Olhos inchados
e cara de cansado, indicavam que Rafael havia tido uma noite péssima, sempre
alegre, porém, nessa manhã ele estava taciturno, não quis saber de um bate papo
com os amigos antes de começar o dia. Chegou no escritório no horário habitual,
logo se trancou na sua sala, tirou o telefone do gancho, desconectou o celular,
pegou alguns casos que estavam há tempos parados em sua mesa, resolveu todos, nem
almoçou e o dia passou rapidamente, já passava um pouco mais das 17:00 h, e
antes de deixar o escritório, despachou com a sua assistente, que se assustou
com a quantidade de trabalho que ele conseguiu produzir em tão pouco tempo, deu
as coordenadas para que ela distribuísse corretamente e imediatamente todas as
ações de forma digital no site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Naquele
dia, não quis descer de elevador os vinte e dois andares que separavam o
escritório do subsolo, resolveu fazê-lo pela escada, simplesmente não queria falar
com ninguém, em seu íntimo desejava que o dia terminasse. Durante a descida
acabou se deparando com um senhor sentado em um degrau com olhar vago e triste,
passou rapidamente por ele sem cumprimentá-lo e continuou a descida envolto em
seus próprios pensamentos, quando chegou ao subsolo onde seu carro estava
estacionado, por um segundo pensou naquele homem sentado na escada, provavelmente
ele também esteja em um dia ruim e não quisesse conversar, chegou até
dirigir-se a portaria para avisar o segurança que talvez pudesse ver se àquele
senhor estava precisando de algo, mas mudou de ideia, não era problema dele. Assim
pegou o seu carro e seguiu para a sua casa, mas, algo havia mudado em seus
pensamentos, agora a imagem daquele senhor não saia da sua mente. Do carro ligou
para o office-boy do escritório, que não atendeu, iria pedir para ele ir até
aquele senhor e perguntar se estava precisando de algo.
Ao
entrar em sua casa, pode observar que as coisas da sua companheira não estavam
mais onde costumavam estar, dirigiu-se ao quarto, abriu a porta que dá acesso
ao closet, o lado que pertencia a ela e mais a metade do lado dele, estava completamente
vazio, realmente ela havia cumprido a promessa. Rafael não entendia como aquilo
pode acontecer com ele, aparentemente estava tudo bem, é inevitável um
relacionamento de quase dez anos não ter desgaste, entretanto, não havia
discussões em excesso, a situação financeira era estável, faziam planos para o
futuro, até mesmo pensavam em ter um filho.
Meio
que conformado, tirou o terno, deixou-se cair na cama, estava acabado, imaginou
como seria de agora em diante, como encontrar com ela todos os dias no
escritório, com certeza ainda a amava, acabou adormecendo e acordou apenas no
dia seguinte com o seu celular tocando, ainda sonolento, atendeu:
- Alô.
-
Rafael, graças à Deus você está bem, onde você estava? Estou tentando falar
contigo desde o começo da noite de ontem, fui até a sua casa, toquei a
campainha, bati a porta.
- Oi
Pai, tomei um remédio para dormir, e acabei desmaiando. O que houve?
- Eu
estava muito preocupado com você filho e com a Patrícia, mas que bom que vocês
estão bem.
-
Obrigado Pai.
-
Rafael você não está sabendo, não é?
-
Sabendo do que Pai? Diga logo, estou com muita dor de cabeça.
- O edifício
onde vocês têm o escritório.
- O
que tem Pai?
-
Sofreu um atentado e desabou em ruínas, as imagens da segurança da companhia de
monitoramento do alarme, gravaram um senhor colocando alguns dispositivos em vários
andares e, depois, o mostraram sentado na escada.
- Meu
Deus. Que horas foi isso Pai?
- Pelo
o que eu vi na televisão, ainda não eram 18:00 h.
- O
prédio ainda estava praticamente cheio, o pessoal de meu escritório só encerra
as atividades as 18:00 h. Meu Deus, a Patrícia!
- O
que tem a Patrícia, filho?
- Ela
não está aqui, eu não sei se ela também estava no escritório.
- O
telefone dela também não atendeu filho. Mas, como assim, você não sentiu falta
dela na sua casa ontem.
- Pai,
eu e a Patrícia terminamos, e ontem ela saiu de casa, não a vi durante o dia
todo, e no trabalho entrei e sai sem falar com praticamente ninguém.
- Meu
Deus filho, acho que você deveria ir até lá.
-
Tchau pai.
Rafael
ligou a televisão para ver as notícias, enquanto tentava ligar para os seus
amigos do escritório, absolutamente ninguém atendia as ligações, viu que tinham
algumas ligações não atendidas no celular, reconheceu os números, duas do
escritório, uma da sua assistente e uma da Patrícia às 18:01 h, havia também
uma mensagem deixada na sua caixa postal, ao começar ouvi-la imediatamente reconheceu
a voz da Patrícia, ela estava com um voz de desespero e dizia:
-
Rafael, meu Deus, está tudo pegando fogo, por favor, me ajude; em seguida um
barulho altíssimo; e novamente a voz da Patrícia, agora parecia mais calma:
Rafael eu te amo, se cuida.
Se
vestiu rapidamente seguiu até o prédio do escritório, ao chegar, o quarteirão estava
cercado pela polícia, viaturas do corpo de bombeiros, ainda apagavam alguns
focos do incêndio, se identificou como proprietário de uma das salas,
deixaram-no aproximar, reconheceu algumas pessoas que trabalhavam no prédio,
mas, nenhuma do seu escritório, pode ver ao longe o carro da Patrícia
estacionado na parte externa do então edifício, foi até lá em uma esperança vã de
encontrá-la viva, observou através dos vidros cobertos de poeira, que o carro
estava cheio com as coisas dela, provavelmente não tivera tido tempo de
descarregar no hotel, olhando mais atentamente, pode ver no console do carro a
aliança de casamento, uma lágrima escorreu pela sua face, a dor era
insuportável, perder a esposa e todos os seus amigos e companheiros de trabalho
de uma só vez.
De
repente, uma voz o trouxe de volta a razão:
- Dr.
Rafael, graças a Deus o senhor está bem.
- Obrigado
Pedro. Que tragédia. Ainda bem que você está vivo.
Pedro
era o office-boy do escritório.
-
Estou vivo graças ao senhor e a Dra. Daniella.
- Por
que Pedro?
- O
senhor havia pedido para Daniella distribuir as suas ações digitalmente ainda
ontem, porém, uma delas, o processo não era digital, então me pediu para levá-la
no carro da firma até o Fórum que fechava as 19:00 h.
- E como está a Daniella?
- Nós estávamos
saindo do prédio quando tudo aconteceu, eu já estava com o carro parado na
recepção, quando um pedaço da marquise caiu e a pegou de raspão. Ela está
internada, apenas com algumas escoriações.
-
Nossa.
-
Pedro, sabe se mais alguém do escritório sobreviveu? Viu a Dra. Patrícia?
- Que
eu saiba, mais ninguém. A Dra. Patrícia, quando o senhor saiu, foi até a sua sala,
depois não a vi mais.
-
Obrigado Pedro. Se cuida.
Rafael
entrou em uma crise de choro, um turbilhão de pensamentos tomou conta da sua
mente, de repente a imagem daquele homem sentado na escada, fixou-se nela,
aquele rosto, quem seria aquele homem que acabou com milhares de vidas. Resolveu
procurar pela polícia, ao se identificar e contar a sua história, o delegado
lhe mostra a imagem do momento que ele passou pelo senhor nas escadas, eram 17:15
h, aquele senhor ficou sentado ali até as 18:00 h, quando as bombas explodiram.
Um
sentimento de culpa tomou conta de Rafael, ele poderia ter evitado aquele
atentado, sua esposa estaria viva e os seus amigos e milhares de outras pessoas
também. O delegado percebeu o que estava passando pela mente de Rafael, disse a
ele, que aquele senhor havia sido o engenheiro chefe da construção daquele
edifício, que cobrava na Justiça uma quantia significativa que a Construtora lhe
devia. Imediatamente Rafael se lembrou daquela história. Aquele senhor era
cliente do seu escritório de advocacia. Um dos casos que ele havia pedido para
a sua assistente distribuir era justamente o daquele senhor. A sentença havia saído
e ele tinha ganho a causa, o pedido que Rafael havia feito naquele dia, era
para justamente penhorar 14 salas daquele mesmo prédio que ainda não haviam
sido vendidas pela Construtora, para o pagamento da ação.
Rafael
estava em choque.
Chega
uma mensagem em seu celular.
Informamos
que pedido feito no processo de indenização de n. 05000500-8.32-000, foi deferido.
Silvio
K. Jr.
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