Deus tocou o meu coração e minha alma,
abrindo meus olhos para a verdadeira essência da vida.

11 de abril de 2020

DIAS DE LUZ

Passava um pouco das 5:00 h da manhã, quando Natanael levantou-se para preparar o café da manhã; morador da zona rural da cidade de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, reside em uma pequena casa de madeira, típica da região, herdou esse sítio dos seus pais e que antes era dos seus avós, descendentes de alemães e que chegaram na região por volta do ano de 1.890.

Logo ao abrir a porta do quarto se deparou com os três cachorros da família, que dormiam ao lado do fogão a lenha, que ficou a noite toda acesso, para manter aquecida aquela pequena casa, ainda era outono, mas, as constantes frentes frias que chegam a região nesse período do ano, costumam derrubar rapidamente a temperatura, pensou Natanael aos ver os cachorros ali, o Júnior (seu filho de 12 anos de idade) deve tê-los recolhidos, não gosto deles aqui dentro, afinal o lugar que eles devem ficar é no estábulo junto com os outros animais, porém, o seu filho tinha um amor por todos os bichos do sítio em especial pelos cachorros.

Enquanto preparava o café, abriu a porta da cozinha, e pode ver que as primeiras luzes do dia começavam a clarear o campo a sua frente, que estava completamente branco, coberto por uma fina camada de gelo que fazia com que a luz refletisse, com certeza tinha geado naquela noite, de imediato o frio tomou conta da cozinha, os cachorros levantaram do lugar em que estavam e foram para sala, Natanael riu da atitude deles e falou em voz alta, mas vocês são folgados...

Tomou um gole de café, vestiu-se e foi tratar dos animais no estabulo, a muito custo conseguiu fazer os três cachorros saírem da casa, assim que começou tratar dos animais, logo chegou o Júnior, todo sorridente, abraçando o pai com um carinho enorme e logo depois os cachorros, e assim o fez com todos os animais que estavam no estabulo, e emendou, pai esse ano o inverno vai ser rigoroso, precisamos arrumar esse lugar para eles não morram de frio.

Natanael que já estava preparado para dar uma dura no filho por recolher os cachorros dentro de casa, entendeu o amor do filho pelos animais e simplesmente mudou de assunto.

Em aproximadamente 40 minutos trataram de todos os animais, abriram a porta do estabulo e todos os animais saíram.

Filho vamos nos trocar, que já está na hora de irmos, Natanael é policial militar, lotado em Bento Gonçalves e ambos vão para a cidade todos os dias juntos, no ônibus rural que a cidade fornece para os moradores e estudantes daquela região.

O fusca azul de propriedade da família é usado pela esposa Joana, que é enfermeira na vizinha cidade de Garibaldi e que necessita utilizar-se desse meio de transporte diariamente.

Assim, ambos uniformizados, o pai de farda e o filho com o uniforme do colégio, se despedem de Joana e seguem rumo ao ponto de ônibus, escoltados pelos três cachorros, que se pudessem, com certeza acompanhariam o Júnior até a escola.

Natanael como sargento da polícia militar, sempre foi muito respeitado na cidade, todos o queriam muito bem, inclusive os bandidos, pois sabiam da índole daquele homem, que mesmo em momentos de pressão nunca utilizou-se de força além do necessário para conter alguma situação, era duro e rigoroso, porém, extremamente correto, mesmo para com os bandidos.

Durante o curto trajeto até a cidade, pai e filho conversavam sobre o futuro, Júnior queria ser veterinário, Natanael não tinha dúvida alguma que ele o seria, desde os quatro anos de idade Júnior já ajudava com os animais, auxiliando nos partos que aconteciam no pequeno estabulo, cuidava dos ferimentos, aplicava as vacinas e dava os vermífugos, aos doze anos, já podia ser considerado uma mini veterinário, até pontos dá nos cachorros, que vira e mexe se metem em brigas com outros cães, quando não, voltam da mata com a boca cheia de espinhos, por terem se metido com algum ouriço (porco espinho), espinhos esses que pacientemente com a ajuda de uma pinça e de uma alicate, ele os retirava um a um, e os cachorros ficavam quietos ao seu lado esperando a vez de serem atendidos, chegava a ser impressionante a cena.

A escola devido ao trajeto do ônibus, fica localizada antes do quartel, e todas as vezes, quando chegavam ao ponto em frente a escola, Natanael descia por primeiro, parava o trânsito, para que todas as crianças descessem e pudessem atravessar a rua, já que a escola ficava do lado contrário ao ponto de ônibus, Júnior sempre era o último a desembarcar, aproveitava e dava um beijo e um abraço no pai.

Naquele dia, algo inesperado aconteceu, um carro em alta velocidade dobrou a esquina vindo a colidir com a traseira do ônibus, imediatamente Natanael foi em auxílio das pessoas que estavam dentro do carro, o motorista ao ver o policial se aproximando, não pensou duas vezes e disparou no peito de Natanael que caiu com o impacto, o motorista e os demais ocupantes abandonaram o veículo e fugiram correndo.

Estirado na rua, jazia inerte o corpo de Natanael, diante de dezenas de alunos incrédulos diante do acontecido, Júnior, correu até o seu pai, ao perceber que jorrava sangue do seu peito, instintivamente, tirou a camiseta, dobrou-a e colocou sobre o ferimento, fazendo muita pressão para evitar uma perda maior de sangue e assim passaram os minutos até a chegada da ambulância, que naquela cidade, não passava de uma Kombi com um motorista e uma maca, e dessa forma, seguiram para o Hospital, com o filho pressionando o ferimento a bala e o pai inconsciente.

Ao dar entrada no Hospital o médico de plantão impressionou-se com aquela cena, uma criança cuidando de um policial, algo surreal de se imaginar, quanto mais de se ver. 

Imediatamente Natanael foi levado a sala de cirurgia enquanto Júnior, comunicava a sua mãe do ocorrido, não demorou muito para ela chegar ao Hospital, indo direto para o lugar onde o seu marido estava lutando pela vida.

Felizmente ele sobreviveu, e todos foram unanimes em apontar que a atitude do filho fora decisiva para o pai pudesse sobreviver.

Os bandidos foram presos depois de algumas horas, eles não eram da cidade e tinham acabado de cometer um assalto em uma farmácia e estavam em fuga.

Passados alguns meses, a vida voltou a rotina, entretanto, algo tinha mudado definitivamente na vida daquelas pessoas, não falavam a respeito, mas, Natanael pensava seriamente em abandonar a profissão e se dedicar exclusivamente a família e ao sítio, Joana, por sua vez, morria de medo de perder o marido e o filho, acabou pedindo transferência para o Hospital da cidade, para que pudessem todos seguir para a cidade a bordo do fusca azul, e Junior começou a pensar em Deus, coisa que até então nunca lhe havia passado pela cabeça.

Em seus pensamentos íntimos, Júnior carregava a certeza, que não fora ele que tomou todas aquelas atitudes para evitar que o seu pai falecesse em seus braços, a posição que colocou o corpo, como fazer para estancar a hemorragia, como pressionar o ferimento, descomprimir e assim por diante. Nasceu dentro dele a certeza, que não estava sozinho, que existe sim uma força maior e que naquele exato momento o guiou.

Assim os anos se passaram céleres, Júnior não só se tornou um excelente veterinário, mas também um médico, só que de almas. 

Silvio Klinguelfus Júnior

Nenhum comentário:

Postar um comentário