Deus tocou o meu coração e minha alma,
abrindo meus olhos para a verdadeira essência da vida.

20 de setembro de 2022

O ACIDENTE

 


Domingo de manhã, por volta das 8:00 h, Javier trafegava com a sua moto de alta cilindrada por uma estrada vicinal muito bem conservada e cheias de curvas que tem como destino uma pequena cidade do interior de São Paulo, com não mais de 15.000 habitantes.

Esse é um dos trajetos preferidos de Javier, podemos dizer que o conhece de olhos fechados e com destreza segue devorando as curvas ao mesmo tempo que aprecia as paisagens daquela região rural.

Ao se aproximar de uma curva bem fechada a esquerda, reduz a velocidade e ao começar a tangência de imediato se depara com uma pessoa em pé, parada bem no meio da estrada e vestida com um macacão típico dos usados pelos motociclistas e com um capacete na mão direita, imediatamente Javier deduz que ela deva ter sofrido um acidente, assim consegue fazer uma manobra e parar bem ao lado da pessoa, que ao observar melhor, ver tratar-se de uma mulher.

Após as apresentações de praxe, a mulher que se apresentou como Anália, conta que se perdeu na tangência da curva e foi arremessada para fora da estrada e a moto acabou caindo no desfiladeiro. Por um milagre, Anália aparentemente tinha sobrevivido sem nenhum arranhão.

Javier tenta chamar o socorro, mas, sem sucesso pois naquela região não há sinal de celular, dessa forma sem muitas opções oferece uma carona para Anália, que disse ter uma fazenda uns 20 km depois de passar pela cidadezinha que estava a cerca de uns 50 km de distância.

Assim Anália subiu na garupa do Javier e partiram rumo a fazenda, no caminho resolveram parar em uma pequena padaria que ficava na beira da estrada na entrada de um vilarejo.

Javier foi até o balcão, cumprimentou o atendente pediu dois cafés, esperou que ele os servisse e disse que estaria sentado na mesa do lado de fora do estabelecimento. Anália e Javier começaram a conversar como se fossem velhos amigos, tinham muitas afinidades e se não fosse pela diferença de idade, ele viúvo e quase na casa dos 70 anos de idade, teria ficado bem interessado por Anália que não aparentava ter mais do que 40 anos de idade.

Trocaram telefones em um guardanapo de papel, Anália disse que ao chegar na cidade, ficaria na Delegacia para fazer o Boletim de Ocorrência. Javier ofereceu ajuda, o que Anália recusou, pois era advogada e saberia muito bem conduzir a situação além de ser amiga do Delegado da cidade.

Novamente subiram na moto e partiram rumo a cidadezinha, quando chegaram lá conforme o combinado Anália desceu da moto se despediu de Javier, que novamente se ofereceu para ajudar o que mais uma vez lhe foi negado, combinaram de se falar por telefone.

Anália entrou na Delegacia e Javier tomou o seu destino. Nunca aquele caminho lhe pareceu tão bonito, tanto que sem ele perceber logo estava de volta a sua cidade natal.

A semana passou depressa, Javier não conseguia tirar Anália dos seus pensamentos, sem aguentar esperar o final de semana, ligou para ela na quarta-feira, para a sua surpresa depois de diversas tentativas as chamadas caiam todas na caixa postal e assim ocorreu nos dias seguintes.

Se sentindo meio bobo por ter alimentado aqueles pensamentos, imaginou que ela tenha lhe dado um número inexistente, por não querer ser desagradável a ele. Porém, não havia o que a tirasse da sua mente.

Javier estava se sentindo como um adolescente e tomado por um impulso juvenil, no sábado bem cedo pegou a sua moto e seguiu rumo àquela cidadezinha mais uma vez, no intuito de se reencontrar com aquela mulher, por algum motivo precisava saber se ela estava bem.

No trajeto parou novamente naquela curva, pode observar os sinais na terra por onde a moto deslizou, o mato arrancado e até mesmo uma árvore caída dado o impacto, diante daquele quadro pensou que fora mesmo um milagre Anália ter sobrevivido, pois tudo levava a crer que ela estava muito rápida.

Ao chegar na cidade foi imediatamente a delegacia, afinal, não haveria lugar melhor para saber a respeito dela, pois provavelmente o Boletim de Ocorrência deva ter sido feito. O escrivão de plantão o atendeu e assim que Javier começou a narrar os fatos, o policial gritou muito alto chamando pelo Delegado que veio lentamente com uma cara de poucos amigos e totalmente desanimado.

- O que foi Brito, por que dessa gritaria toda?

- Doutor esse senhor aqui disse que viu Anália no domingo passado.

Imediatamente começou um interrogatório, o Delegado não acreditava em Javier, que contou a história várias vezes.

Não convencido o Delegado, o escrivão e Javier entraram na viatura e seguiram rumo ao local onde ocorreu o acidente, no caminho pararam na Padaria, o atendente confirmou que viu apenas Javier, que realmente ele pediu dois cafés, mas, que tomou apenas um e não reparou se ele estava com mais alguém.

Ao chegarem na curva onde Javier encontrou Anália, o Delegado desesperado observou a cena, entendeu que Anália deva ter realmente sofrido um acidente e imediatamente com muita destreza desceu pela encosta do desfiladeiro, quando chegou lá embaixo passou um rádio para que o Escrivão chamasse uma equipe de resgate pois ele tinha encontrado o corpo de Anália.

Javier estava atônito, o Delegado não subiu, ficou ao lado do corpo de Anália até que a equipe a resgatasse.

De volta a delegacia, o Delegado estava inconsolável e novamente quis conversar com Javier que mais uma vez contou toda a história. O Delegado pediu o número de telefone que Anália tinha passado a ele, para sua surpresa aquele número era o pessoal do Delegado, Anália naquele dia tinha esquecido de carregar o celular dela e pegou o do pai emprestado, porém, nem chegou a ligar o aparelho o que impediu que fosse rastreado.

Esse detalhe para o Delegado foi definitivo para acreditar em Javier, ninguém além da filha e da esposa têm esse número.

O Delegado pai de Anália agora chorava copiosamente nos braços de Javier que também não continha as lágrimas, o pai agradeceu a ajuda de Javier, pois fazia uma semana que ele não dormia procurando desesperadamente pela filha, ele e sua esposa estavam vivendo os piores dias das suas vidas.

Infelizmente a morte de Anália, mesmo não sendo desfecho que queriam, traria um alento para eles, do que jamais descobrir o que ocorreu.

Javier voltou para a sua casa muito triste, mas algo lhe trazia uma paz ao seu coração e assim seguiu os seus dias.

O Delegado seguindo seus instintos novamente refez os passos narrados por Javier, parou novamente na Padaria, sentou-se a mesma mesa e ali inconsolável pensou na sua filha, fez uma oração carregada com todo o amor que ele tinha por ela, assim que terminou a oração ao levantar a cabeça aos céus, observou que do outro lado da Rua bem de frente a Padaria tinha um poste com uma câmera de segurança na entrada de uma Fazenda que explora eucaliptos.

Ao chegar perto da câmera viu tratar-se de um modelo de última geração e de alta-definição, que é usada para dar zoom nas placas e dentro das cabines dos caminhões para reconhecimento facial dos motoristas.

Imediatamente aciona a empresa de segurança que opera o sistema e solicita a gravação do dia do acidente, por ser delegado e conhecido do dono da Fazenda, quase que imediatamente recebeu o arquivo digital.

Ao assistir o vídeo viu que a 7:00 horas sua filha passou em cima da sua moto em frente a fazenda e para o seu espanto viu quando Javier às 8:15 h chega acompanhado dela e pararem na Padaria, observou Javier adentrar a padaria conforme ele narrou e ali estava sua filha sentada olhando fixamente para a câmera e fazendo um aceno, então o Delegado dá um zoom na imagem e observa claramente que Anália através linguagem dos sinais ela lhe diz:

- Pai, me perdoe! Eu amo muito o senhor e a mamãe. Diz a ela que eu estou bem.

O Delegado ainda vê quando eles saem na moto e a filha lhe dá o último adeus.

Mentalmente se despede pela última vez da sua filha, agradece a Deus.

E grita:

- Brito, manda buscar o Javier pela última vez...

Silvio Klinguelfus Junior

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